domingo, 17 de fevereiro de 2008

TEMPO NO TEMPO - Caminhos para a Essência






A Caminho da Luz ... Caminhos para a Essência

Quando tiveres percorrido todos os caminhos
Chegarás ao ponto de partida, ao pátio interior
Que buscaste em vão no teu exílio.
Casimiro de Brito


Acabo de visitar este novo trabalho de Ferreira Pinto, “A Caminho da Luz”, que me dá maior mobilidade neste meu percurso no novo rosto do autor, que recentemente nos apresentou a excelente obra “Tempo no Tempo”.
Fico a pensar na dualidade com que terá vivido os últimos momentos daquele trabalho, em que já se vislumbravam sinais de um outro personagem que o visitava nas noites de insónia e lhe (per)seguia os passos, como uma sombra que ainda não é nossa, mas que parece familiar, pelo modo como nos segue as intenções e os gestos, como se insinua nos nossos momentos de ócio, como nos invade o espaço da serenidade, e se instala com uma premência quase angustiante por não podermos (ainda) torna-la viva, dar-lhe rosto e voz, pô-la no mundo.

É este se calhar o maior mistério da criação: encontrar o lugar para o inconciliável, aquela soleira onde se detêm os homens comuns, o ponto de partida para os artistas que sabem pôr asas na distancia entre a emoção e a obra.

De volta aos passo de Ferreira Pinto, insisto nos trilhos já anunciados em “Tempo no Tempo”: enigmas à procura de decifração, uma trajectória que se instalou no autor a ponto de questionar a tela, escrevendo sobre ela, apontando de raspão fragmentos de discurso.

Esta verbalização, aparentemente inesperada num autor que se esconde atrás de uma excessiva modéstia, aparecem-me como degraus que permitem ascender ao que se ilumina nestas telas: pontos de passagem, escadas, escadas que se arqueiam até formarem pontes, janelas sobre e dentro das molduras, numa sequência que traz uma nova ousadia, no modo como esta obra se debruça sobre o mundo. Portas, muitas, multiculores, minúsculas ou grandes quanto a tela que, no seu conjunto, se ergue como um porto de abrigo sobre as nossas consciências. Estranha condição esta, a de interrogar o que nos rodeia e simultaneamente construir a sua interpretação. Assim “vi” o modo como o autor “deixou” escorrer tinta, exibindo uma obra aparentemente imperfeita, para reiterar aquela que parece ser a sua principal razão de ser, na vida como na tela. Contra a vida de olhos vendados, a que nos é oferecida de bandeja no quotidiano, Ferreira Pinto deixa testemunho: nas cores que esclhe, nas figuras que assomam na bruma, na tenacidade do traço firme, que se ergue como um leme, no vislumbrar de sombras e véus entre nós e o “outro”, ou ainda na barreira que parcialmente “cobre” a leitura, o autor apercebe-se de quão difícil e íngreme é o acesso à transparência destes sopros de ser.

Desta auto indagação que há muito, repito, acompanha a sua obra, muitas linhas se apresentam como possíveis para deixar que a bruma se escoe, até à claridade invencível, a que esperam os homens como Ferreira Pinto, que põem (uma) vida em cada gesto.

Muitas lições como esta seriam precisas para edificar definitivamente a humildade como valor universal e maior, em tempos de falsos valores e de cores que se apagam ao primeiro vento contrário. A meticulosidade com que o autor trabalhou cada fio desta obra, a demora que se (pres)sente no traço aparentemente rasgado que cruza a tela como um veleiro em alto mar, são exemplos acabados do infinito que a rodeia e que, como bem sabe Ferreira Pinto, carece de águas límpidas e largas para o desejado mergulho dentro de cada um. Sem esquecer nenhum gesto, palavra ou forma.

O tamanho do mundo depende do grau com que enfrentamos este mergulho. Até às raízes, até às profundezas das águas, ou em voos a planar no espaço. Finito e infinito, de todos e de cada um, este é o desafio que Ferreira Pinto traz até nós, neste sopro de si através do itinerário da consciência, um roteiro que nos permite abeirar-nos dos limites, superando a orla da nossa humana contingência.

Armandina Maia



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